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LUISA LOPES

Coletânea de textos

Textos desenvolvidos dentro do projeto Autoimune.

Dezembro/2021


Tenho desenvolvido uma pesquisa desde 2019 para pensar os caminhos nas artes visuais de discutir sobre o que é um corpo o que é carne o que é pele o que é tecido o que é tela o que é beleza o que é grotesco o que causa repulsa o que causa desejo o que é ser vivo e o que é pulsar vida.

Essa pesquisa passa por várias linguagens e propostas diferentes: se iniciou pelo desenho, em que eu alterava o espaço plástico por meio de mudanças na opacidade, transparência, no peso e leveza dos objetos e do espaço que retratei, gerando uma desmaterialização. Essa desmaterialização também tem estreita relação com a gestualidade - o corpo estava presente devido às marcas das mãos e do gesto nos desenhos. Nessa proposta inicial, a imagem substitui a ausência de um corpo. Porém, pelas experimentações percebi que o desenho e o nanquim não davam conta do que eu queria trazer. Assim, realizei uma série de trabalhos a partir de imagens projetadas. A transferência e projeção das minhas cicatrizes mapeadas causam uma descorporificação - a imagem deixa de pertencer por completo ao plano físico - mas senti que precisava ir além disso. Passei a pesquisar sobre o termo “autoimune”, questão chave para o meu entendimento enquanto um corpo no mundo, li textos médicos, procurei sobre como cicatrizes se formam como se curam como o que está dentro influencia tudo aquilo que está fora - até aquilo que não se vê. O conceito de autoimunidade está relacionado à uma falha na autotolerância, da forma com que o corpo considera o próprio corpo como alvo existente e que deve ser atacado - é uma batalha interna e invisível aos olhos. Minha pesquisa se voltou então para as seguintes questões norteadoras: como é possível retratar algo que não pode ser visto? Como trazer para o mundo aquilo que se encontra oculto, que não se vê, mas que se sente? Como o corpo enfermo reage diante da morte? E o corpo que ainda está aqui, como sente seu cotidiano? Essas são algumas questões motivadoras para se pensar o corpo enfermo. Por isso, o trabalho assume, de certa forma, uma extensão do corpo e um diário das minhas inquietações. 

Para o final de 2019, realizei um trabalho com papel de saquinhos de chá e alfinetes - foi minha primeira experiência que me levou à execução do projeto para este trabalho. Pensar a tintura a partir das cores do chá já me fez caminhar para um sentido diferente do nanquim, além de pensar a composição de cores por meio da sobreposição e de olhar as partes como um conjunto para que as cores fossem vistas ao mesmo tempo e não misturadas como fazia no desenho. Sair do espaço do papel também foi um passo importante. Utilizar os alfinetes para unir as partes foi essencial para pensar nas cicatrizes e aquilo que fere também enquanto aquilo que une. Mas ainda era papel. De certa forma, ainda vejo o papel enquanto uma pele. Ainda vejo a tela enquanto pele. E a pele?

Nesse sentido comecei a pesquisar sobre a pele em si. E em meados de 2020, iniciei uma pesquisa sobre biotecidos, tecnologias produzidas a partir de materiais biológicos com baixo impacto ambiental, em que a composição pode variar e inclui muitas propriedades como colágeno, queratina, fibras proteicas, vegetais e celulose. Achei assim um suporte para trabalhar as questões que estava pensando. O biotecido feito a partir da fermentação de kombucha se tornou um material indispensável para mim, realizei muitos testes de cor, textura, tamanho e formas de trabalhar com os “scobys” (cultura simbiótica de bactérias e leveduras). Portanto, a minha intenção com esse projeto é pensar a questão da pele e tudo aquilo que remete a ela utilizando a pintura a partir das cores dos chás e de um tecido diferente da tela que estamos acostumadas - um tecido que cresce e toma suas dimensões. Olhar para um tecido que não é o meu e nem um tecido em branco, um tecido que eu manipulo mas também tem sua autonomia tem feito eu olhar pra mim mesma com mais carinho (não é tão fácil mas estou tentando).



 

26/11/2019
 


Tenho pensado em como naturezas mortas fazem parte de um conjunto de trabalhos que pensam essas questões autobiográficas, da minha própria relação com a autoimunidade da diabetes no campo das artes visuais. Os insumos utilizados diariamente para controle da doença. A  quantidade de objetos e sua disposição no espaço são de grande importância para dar a ideia de volume, pensando em um controle que não vai haver fim. De novo escolho a pintura, acho que pela forma com que ela garante uma transformação, por meio de mudanças na opacidade, transparência, no peso e leveza dos objetos e do espaço em que são retratados, gerando uma desmaterialização:  dessa maneira, os próprios objetos já influenciam a maneira de ver a composição relacionada a um corpo que está por trás de tudo aquilo. 


Além da história pessoal e da materialidade/ imaterialidade do corpo e as sensações que surgem a partir da doença, questões que se aproximam diretamente de um retrato pessoal, há um outro fator essencial considerado para a elaboração dessa série: a própria plasticidade dos insumos. No caso da diabetes tipo I, agulhas, catéteres, cânulas, ampolas, diversos objetos que não fazem parte do cotidiano das pessoas que não possuem a doença e o tipo de tratamento de uma insulinodependente, passam a ser inseridos no espaço - é uma natureza morta que trata do passar do tempo, destes objetos depois de descartados após o uso, que vão se acumulando, construindo uma memória desse cotidiano tão particular, que não deve ser esquecido e deixado de lado. 

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